Papa Francisco vai publicar quarta encíclica do pontificado, centrada na devoção ao Coração de Jesus
A palavra ‘encíclica’ vem do grego e significa ‘circular’, carta que o Papa enviava às Igrejas em comunhão com Roma, com um âmbito universal
O Papa Francisco vai publicar na próxima quinta-feira, (24), a quarta encíclica do pontificado, ‘Dilexit nos’ (amou-nos), centrada na devoção ao Coração de Jesus, anunciou nesta segunda-feira, (21), o Vaticano.
“Carta Encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo” é o subtítulo do documento, anunciado pelo próprio Francisco, na audiência geral do dia 5 de junho, sublinhando a importância desta tradição espiritual num mundo que “parece ter perdido o coração”.
“Julgo que nos fará muito bem meditar sobre vários aspetos do amor do Senhor que podem iluminar o caminho da renovação eclesial, mas que também dizem algo de significativo a um mundo que parece ter perdido o coração”, disse então, na Praça de São Pedro.
A 27 de dezembro de 2023 celebrou-se o 350.º aniversário da primeira manifestação do Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), iniciando um período de celebrações que se vai concluir a 27 de junho de 2025.
“Apraz-me preparar um documento que reúne as valiosas reflexões dos textos precedentes do magistério e uma longa história que remonta às Sagradas Escrituras, para voltar a propor hoje, a toda a Igreja, este culto carregado de beleza espiritual”, adiantou o Papa.
A 27 de dezembro de 1673, Margarida Maria Alacoque, religiosa francesa de 26 anos, teve a primeira de um ciclo de visões do Coração de Jesus, no convento de Paray-le-Monial, na Borgonha, que se prolongou durante 17 anos.
A mensagem da religiosa veio desenvolver uma devoção que já se encontrava na mística alemã do final da Idade Média; São João Eudes, que viveu no século XVII, é apresentado pelo Vaticano como um “apóstolo da devoção ao Coração de Jesus e de Maria”.
A solenidade do Coração de Jesus é assinalada por toda a Igreja Católica desde 1856, por decisão do Papa Pio IX.
‘Dilexit nos’ surge depois das encíclicas ‘Lumen fidei’ (2013), que recolhe reflexões sobre a fé iniciadas por Bento XVI; ‘Laudato si’ (2015), documento que propõe uma ecologia integral, abordando questões sociais e ligadas ao meio ambiente; e ‘Fratelli tutti’ (2020), que recolher as reflexões de Francisco sobre a fraternidade e a amizade social.
A palavra ‘encíclica’ vem do grego e significa ‘circular’, carta que o Papa enviava às Igrejas em comunhão com Roma, com um âmbito universal, onde empenha a sua autoridade primeiro responsável pela Igreja Católica.
O Papa mais prolífico neste tipo de cartas é Leão XIII, com 86 encíclicas – embora muitos desses textos fossem, nos nossos dias, classificados como cartas apostólicas ou mensagens; São João Paulo II escreveu 14 encíclicas e Bento XVI três.
A encíclica é uma forma muito antiga de correspondência eclesiástica, dado que na Igreja os bispos enviavam frequentemente cartas a outros bispos, para assegurar a unidade entre a doutrina e a vida eclesial.
As aparições em 1673
A encíclica é publicada durante as celebrações — que vão de 27 de dezembro de 2023 a 27 de junho de 2025 — do 350º aniversário da primeira manifestação do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, em 1673. Há três séculos e meio, em 27 de dezembro, Jesus apareceu à jovem freira visitandina francesa, com apenas 26 anos, para confiar-lhe a missão decisiva de difundir no mundo o amor de Jesus pelos homens, especialmente pelos pecadores. As aparições no convento de Paray-le-Monial, na Borgonha, continuaram por 17 anos, com o Coração de Jesus se manifestando sobre um trono de chamas, cercado por uma coroa de espinhos, símbolo das feridas infligidas pelos pecados dos homens. Cristo pediu à irmã Margarida que a sexta-feira após a festa de Corpus Christi — portanto, oito dias depois — fosse dedicada à Festa do Sagrado Coração de Jesus. Uma missão difícil para a religiosa, que encontrou incompreensões até entre as irmãs religiosas e superiores, sendo considerada uma visionária. Ela, porém, nunca desanimou e dedicou toda sua vida para que o mundo conhecesse o amor de Cristo.
A difusão da devoção
A festa do Sagrado Coração nasceu às portas do Iluminismo. Como escreveu o padre Enrico Cattaneo, professor emérito de Patrística, na revista ‘La Civiltà Cattolica’, “a espiritualidade do Coração de Cristo foi um contrapeso à mentalidade racionalista difundida, que alimentava a cultura ateísta e anticlerical”. Um acalorado debate, inclusive dentro da própria Igreja, surgiu em torno dessa devoção, até que, em 1856, Pio IX decidiu que a festa do Sagrado Coração de Jesus fosse estendida a toda a Igreja. No século XIX, a devoção se espalhou rapidamente com consagrações, surgimento de congregações masculinas e femininas, instituições de universidades, oratórios e capelas.
A Haurietis aquas de Pio XII
Em 1956, foi publicada a ‘Haurietis aquas’ de Pio XII, escrita em um momento em que a devoção ao Coração de Jesus vivia uma crise. A encíclica do Papa Pacelli tinha o objetivo de reviver o culto e convidar a Igreja a compreender melhor e realizar suas várias formas de devoção, de “máxima utilidade” para as necessidades da Igreja, mas também como “estandarte de salvação” para o mundo moderno. Bento XVI, em uma carta para o 50º aniversário da ‘Haurietis aquas’, destacava: “Este mistério do amor de Deus por nós não constitui apenas o conteúdo do culto e da devoção ao Coração de Jesus: ele é, da mesma forma, o conteúdo de toda verdadeira espiritualidade e devoção cristã. É, portanto, importante ressaltar que o fundamento dessa devoção é tão antigo quanto o próprio cristianismo”.
A devoção de Francisco
O Papa Francisco sempre demonstrou um profundo vínculo com o Sagrado Coração, relacionando-o à própria missão dos sacerdotes. Em 2016, o encerramento do Jubileu dos Sacerdotes ocorreu justamente na Solenidade do Coração de Jesus, e na homilia da Missa o Pontífice pediu aos padres do mundo que orientassem o seu coração, como o Bom Pastor, em direção à ovelha perdida, àquele que está mais distante, deslocando o epicentro do coração para fora de si mesmos. Ainda no contexto do Jubileu, na primeira das Meditações sobre a misericórdia, o Papa recomendou aos bispos e sacerdotes que relêssem a ‘Haurietis aquas’, porque “o coração de Cristo é o centro da misericórdia. Isto é próprio da misericórdia, que se suja, toca, se envolve, quer comprometer-se com o outro… empenha-se com uma pessoa, com sua ferida”.
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